Um aumento acumulado de 50% nos preços internacionais da soja nos últimos 12 meses coloca o Programa Nacional de Biodiesel a caminho do brejo. Os especialistas esperam que a alta continue quando a China voltar a entrar no mercado comprador, em meados de janeiro do próximo ano. Estima-se que com as cotações atuais, fazer biodiesel com óleo de soja já resultaria num aumento de 5% nos preços do produto final, o que resultaria num impacto inflacionário perigoso, já que o paÃs depende do transporte rodoviário.
A noticia sobre esse inesperado aumento de preços só foi veiculado pelos jornais de negócios e não recebeu a atenção devida da grande imprensa. O lançamento de um programa desse porte sem o necessário planejamento, deixando a solução por conta do “mercado”, não poderia ter resultados diferentes. Faltou planejamento e visão, já que a soja é a única oleaginosa disponÃvel para atender as metas do programa, e essa oleaginosa definitivamente nunca foi uma boa alternativa, exceto para os grandes produtores quando esse mercado estava em baixa.
Além disso, o teor de óleo da soja é de apenas 18%, contra 40-45% do girassol, da mamona, do dendê, do amendoim ou do pinhão manso. Este último já existe no Brasil, e é uma cultura perene, podendo produzir por 50-60 anos, ao contrário da mamona, que é uma cultura de ciclo curto, com produção de 2 anos. Ou seja, toda a publicidade sobre a “inclusão social” dos pequenos produtores rurais é uma balela se comparada com o aumento de renda que eles poderiam ter com um bom trabalho de apoio e assistência técnica.
O uso da soja para a produção de biodiesel deixa o Brasil refém de um pequeno grupo de grandes produtores, exatamente como acontece com a indústria sucro-alcooleira. Quando os preços estiverem bons no mercado internacional, comemora-se o aumento das exportações. Quando não estiverem, o governo – leia-se os brasileiros – subsidia e retoma a brincadeira de mudar o teor de óleo vegetal no biodiesel ao sabor dos interesses desses grandes produtores. Para isso estão aà as Medidas Provisórias, que foram concebidas para casos de emergência. E mais, deixa o paÃs refém da monocultura!
Finalmente, vale lembrar que a entrada de um novo concorrente no uso da terra agriculturável acabará tendo impactos sobre os preços dos alimentos. Na verdade, a pressão sobre o uso da terra também já está crescendo pela demanda por briquetes de madeira para a exportação, desde que a União Européia estabeleceu diretrizes obrigatórias para o aumento da participação da biomassa na geração térmica. O risco desse tipo de demanda é termos outros “desertos verdes” como fez a Aracruz Celulose no EspÃrito Santo!
Mas, afinal, é possÃvel fazer um programa de biodiesel bem sucedido, consistente, não incompatÃvel com a segurança alimentar? Certamente, e os “paÃses sérios” já estão fazendo isso e muito mais avançados do que o Brasil.
Mas o paÃs não tem uma estratégia global que associe a segurança alimentar à segurança energética no campo dos combustÃveis automotivos. E segue, como sempre, aos trancos e barrancos.
O uso do óleo vegetal puro nas grandes frotas de ônibus e caminhões continua sendo uma alternativa potencialmente muito mais eficiente para que se atinja a meta de 2% do consumo total de diesel no paÃs do que a mistura obrigatória cujos custos “ocultos” do transporte para lá e para cá continuam a desafiar o bom senso.