Ao apagar das luzes de 2006, o governo federal fez um âesboço de comemoraçãoâ da promulgação de mais uma lei de proteção da Mata Atlântica. Na tentiva de acentuar o pálido sabor de vitória, enfatizou-se o fato de que o projeto de lei tramitou durante 14 anos no Congresso Nacional. O súbito esforço do Palácio do Planalto para aprová-la tem ares de um afago em Marina Silva, em vista das ameaças públicas de Dilma Roussef de mudar a lei ambiental para atender a uns poucos interesses corporativos na área de geração hidrelétrica (proposta que pode facilmente estender-se a outros campos de atividades consideradas de âinteresse públicoâ).
A lei acrescenta pouco ou nada ao que já se encontrava no Código Florestal de 1932, atualizado em 1965, bem como pelo Decreto Federal 750/93, que “dispõe sobre a exploração e a supressão da vegetação primária ou nos estágios avançados e médios de regeneração da Mata Atlântica”. Na verdade, em alguns casos, a nova lei parece mesmo retroceder em relação ao Código Florestal, que pelo menos define claramente â em metros! – as áreas de preservação permanente à s margens dos rios, em contraste com a redação agora adotada que veda o corte da vegetação âquando exercer a função de proteção de mananciais ou de prevenção e controle de erosãoâ. Estão, assim, abertos os caminhos para interpretações conflitantes de botânicos e geólogos, bem como as portas para litÃgios judiciais.
Fora isso, incluir os manguezais â existentes no mundo todo â na categoria de Mata Atlântica é apenas uma bobagem. Os manguezais, já protegidos com pouco sucesso pelo Código Florestal, vêm desaparecendo rapidamente no Brasil como em outros paÃses, apesar dos tratados internacionais que consideram a sua importância para a indústria pesqueira. De roldão, a lei colocou literalmente todas as formações botânicas na categoria Mata Atlântica: vegetações de restingas, campos de altitude e brejos interioranos!
No Rio de Janeiro, a proteção da Mata Atlântica já estava assegurada por um tombamento feito em 1990 e que incluiu imagens de satélite com a clara identificação das áreas tombadas. Da mesma forma, em São Paulo, um sem número de dispositivos legais já protegem, há muito, a Mata Atlântica, e os esforços dos âambientalistasâ levaram a UNESCO a elevar à categoria de Reserva da Biosfera o chamado âCinturão Verde da Cidade de São Pauloâ, que abrange nada menos que 17.000 km2 em 73 municÃpios!
Nada disso impediu que o desmatamento e a ocupação ilegal das áreas de proteção dos reservatórios avançassem, ainda que a taxas mais lentas até porque restam menos áreas de Mata Atlântica. Nascentes e recursos hÃdricos estão cada vez mais ameaçados por obras mal projetadas mas consideradas e de âinteresse públicoâ, como no caso do licenciamento do anel rodoviário contornando a cidade de São Paulo. Esse licenciamento simplesmente desconsiderou os documentos relativos aos impactos potenciais dessa rodovia destinada ao tráfego pesado sobre a Serra da Cantareira, que tem papel essencial no abastecimento de água da cidade e de toda a região metropolitana.
Enfim, as tentativas de proteger âbiomasâ ou ecossistemas têm se demonstrado pouco ou nada efetivas no Brasil como em outros paÃses, em contraposição à criação de unidades de conservação e a correspondente desapropriação das áreas.
A idéia de que ârestrições administrativas de uso” da propriedade privada sejam efetivas como eixo das estratégias de proteção ambiental não se mostrou, até agora, bem sucedida no Brasil e nem mesmo nos paÃses âsériosâ, onde a proteção das matas ciliares de rios e lagos tem sido uma tradição cultural. O caso da lei de proteção à s áreas úmidas ou sujeitas a alagamento nos EUA (wetlands) é um bom exemplo disso. O mesmo ocorreu em relação à s polÃticas nacionais norte-americanas e canadenses para a proteção de corredores ecológicos/rotas de migração, que resultaram em tratados internacionais já no inÃcio do século XX. Na Alemanha, na década de 70, a recomposição das matas ciliares foi precedida de ampla negociação com os produtores rurais para estimar os mecanismos de reposição das perdas econômicas.
Finalmente, vale ressaltar que a nova lei sobre a utilização e a proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica (o termo âbiomaâ entra, aÃ, para confundir os não especialistas) joga muito pesado com os proprietários rurais ao excluir as áreas de preservação permanente da reserva legal de cobertura vegetal nativa. Além disso, faz referências a incentivos econômicos sem especificá-los e deixando-os ao sabor da vontade do poder público, que os definirá, quem sabe, nos próximos 14 anos.
Ao que tudo indica, apenas mais uma lei sem maiores – ou menores – impactos sobre a realidade. Então, vamos de volta ao “dever de casa”! à certamente melhor concentrar esforços e recursos na efetiva implantação dos parques nacionais e estaduais como forma de assegurar a proteção dos ecossistemas do que em dispersá-los numa proteção vaga, etérea, de aplicação tão impossÃvel, na prática, quanto foi a reserva legal de 50% das propriedades na Amazonia.
PS – Dias depois da divulgação deste artigo, a seguinte manchete surgiu na imprensa: “Mapa do governo faz mata atlântica quadriplicar”. A notÃcia informa que um estudo encomendado pelo MMA a três pesquisadores concluiu que ainda sobrevivem 27,1% da mata atlântica original do paÃs. Os resultados da encomenda do MMA são totalmente discrepantes dos números até hoje aceitos por todas as pesquisas, a começar pelos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espacial – INPE, que em 1990 já demonstrava que os remanescentes da Mata Atlântica situavam-se em 8,8% da cobertura florestal original. De lá para cá, novos estudos indicam o percentual de 6,98%. Encomendar estudos para divulgar números positivos é uma velha prática no Brasil, mas esse nÃvel de descaramento na mentira é raro.
Caro Luiz Prado,
De fato, muitas vezes os governos encomendam estudos tendenciosos para divulgar números positivos. Mas eu posso te garantir que este não é o caso. Participei intensamente desse estudo nos últimos dois anos e de forma alguma os resultados foram encomendados.  à importante conhecer de perto o estudo, sua metodologia e a seriedade dos profissionais envolvidos. A simples leitura da reportagem já começa a esclarecer algumas coisas. Agora, a manchete vai ser sempre aquela que vende mais jornais, concorda? Lembre-se que os “números até hoje aceitos por todas as pesquisas” são originários de somente uma fonte e então ACEITOS por outros. Por enquanto, quero deixar claro que houve muita seriedade na execução do trabalho. Otto Alvarenga Faber