“A baÃa do Rio, como suas belas irmãs, desde a Cornualha até a baÃa de Nápoles, deve ser vista em trajes de gala. à mais encantadora quando se estende sob seu rico dossel etéreo, enquanto um verniz de atmosfera diáfana imprime à s distâncias uma sublime e maravilhosa beleza; quando o manto azul é de um azul perfeito, brilhante; quando as tonalidades castanhas são riscadas de cor-de-rosa e vermelho, e quando as próprias cores nacionais se fazem lembrar: verde, vivo como o da esmeralda, e amarelo, reluzente como ouro brunido. Então, os ribeiros são prata, com as margens pintadas de alaranjado e cobre, ao se erguerem sobre as brancas areias ou encrustadas na floresta; então, as nuvens que passam formam ilhotas flutuantes, enquanto suas sombras viajam pelas águas do mar interior, de um verde tão puro. Então, a cabana caiada do camponês, tão pequena e tão frágil, erguendo-se junto à brancura da areia, torna-se opala e granada, sob as ondas de luz que só fazem lembrar uma eterna primavera. E cada hora tem seu próprio encanto. Há sublimidade no nevoeiro matinal que flutua distante sobre um rochedo em terra ou o mar agitado; há grandeza, beleza e esplendor no brilho das ondas sob o sol do meio dia, quando a brisa se impregna do perfume de mil flores; e há uma graça, um descanso inexprimÃvel, nos matizes de púrpura – vinho que a tarde espalha sobre o mar.
“Combine-se com essa delicada e feérica, essa singular beleza feminina de colorido, um poder e majestade nascidos do tamanho e da abrupta grandeza das montanhas e picos, de precipÃcios e rochedos, que afetariam o espÃrito de Staffa* e que proibem qualquer suspeita de efeminação. Tais efeitos da Natureza, ao mesmo tempo masculinos e femininos, alternadamente suaves e enérgicos, não podem deixar de afetar o caráter nacional.”
O autor dessa descrição da baÃa de Guanabara, Sir Richard Francis Burton, diplomata britânico e membro da Royal Geographical Society, designado cônsul, “depois de dezoito meses tediosos gastos em Santos, São Paulo”, finalmente visitou o Rio de Janeiro em 1867.
No capÃtulo sobre a cidade, cita Saint-Hilaire: “Talvez nada no mundo seja tão belo quanto os arredores do Rio de Janeiro”.
Essa ode à baÃa, aliada ao que aconteceu no último século em outras baÃas, fornece parâmetros para um planejamento objetivando impedir a sua continuada degradação, e não apenas no que diz respeito à enorme poluição mas, também, aos usos, à ocupação tanto do espelho d’água quanto de sua orla.
Pode-se iniciar com uma constação simples: em qualquer plano de gerenciamento costeiro feito nos paÃses sérios – isto é, paÃses que fazem planos de longo prazo e os transformam em projetos que são, depois, implementados -, a zona costeira só pode ser utilizada por atividades que necessariamente só podem nela se localizar, tais como estaleiros, portos, terminais de pesca, turismo e lazer.
Assim, é possÃvel planejar e executar um plano de recuperação da antiga zona portuária da baÃa de Guanabara, o que até agora não passou de conversa fiada. Projetos de recuperação de antigas áreas portuárias já foram feitos, com sucesso total, nas mais diversas cidades, desde Barecelona – onde a antiga área portuária voltou a ser praia – até Puerto Madero, em Buenos Aires, com notáveis resultados paisagÃsticos e econômico-financeiros.
Também seria possÃvel fazer um planejamento com metas concretas, mensuráveis, como a remoção progressiva de sistemas de tancagem de óleo que facilmente poderiam ser relocalizados.
Mas, é melhor parar por aqui, para que a decepção com a inação não aumente e tampouco se perca a beleza da descrição de Sir Richard Burton.
* – Staffa são ilhas escocesas admiradas por suas lindÃssimas formações rochosas, certamente conhecidas por Sir Richard Francis Burton, criado na Irlanda.