Alguns cientistas norte-americanos estimam que para produzir uma caloria de milho nos EUA são necessárias pelo menos duas calorias de combustÃÂveis fósseis. Isso se deve principalmente ao fato de que os altos nÃÂveis de produtividade atual só são alcançado em decorrência de imensas quantidades de fertilizantes fabricados a partir de combustÃÂveis fósseis. Além disso, os óxidos nitrosos liberados pelo uso excessivo de fertilizantes – com excedentes não absorvidos pelas plantas – também contribuem de forma significativa para as mudanças climáticas.
Isso significa que as polÃÂticas de redução das emissões de gases causadores dessas mudanças deveriam ser complementadas por polÃÂticas de substituição progressiva do uso de fertilizantes nas grandes monoculturas dos paÃÂses desenvolvidos e mesmo do Brasil. Mudanças desse porte nas polÃÂticas agrÃÂcolas dos EUA são, hoje, simplesmente inconcebiveis, já que resultariam em impactos nos preços de boa parte da produção de alimentos do paÃÂs.
Com o tempo, o gado bovino, os suÃÂnos, os frangos, o tradicional peru, as ovelhas e até os peixes produzidos em cativeiro passaram a ser alimentados com ração à base de milho, que é altamente subsidiado. Em decorrência, os ovos e o leite também são indiretamente subsidiados, da mesma forma que o óleo em que são fritos os alimentos, em particular quando processados industrialmente. A “brincadeira” se estende até as bebidas não alcoólicas adoçadas com frutose extraÃÂda do milho, enquanto a cerveja barata para o consumo de massa é feita com glucose… de milho, que é também utilizado em muitos produtos não alimentÃÂcios.
Lá, os subsÃÂdios não vão para o bolso dos fazendeiros – como ocorre no Brasil com os subsÃÂdios camuflados ao etanol -, mas sim para a cafetinagem das sementes, para os fabricantes de fertilizantes e de tratores, e por aàafora. Assim, são fortes as pressões para que essa polÃÂtica “agrÃÂcola” não seja modificada, apesar do usual blá-blá-blá sobre as maravilhas da “mão invisÃÂvel do mercado” (que tampouco se aplicou à iniciativa da guerra pelo petróleo, com o renascimento do poder do complexo industrial-militar).
Além disso, há a percepção pública que influi de forma decisiva no já debilitado apoio a Bush. Uma pesquisa do Bureau de EstatÃÂsticas do Trabalho do governo ddos EUA divulgada recentemente mostrou o aumento do preço do milho nos produtos alimentÃÂcios e o atribuiu ao crescente uso do milho para a produção de etanol. Considerados os meses de abril de 2006 e 2007, o aumento percentual de preços foi de 3,2% no leite, 3,7% nos biscoitos e bolos, 4,6% no frango, 4,7% na carne, 18,6% nos ovos e… 5% nos refrigerantes. O aumento médio nos produtos alimentares foi de 3,6%.
Mas o imbroglio não termina aÃÂ. Os centros de pesquisa caminham rapidamente na direção do desenvolvimento de materiais plásticos a partir de produtos agrÃÂcolas. E aàsurge a inevitável pergunta que ainda não teve o necessário espaço nos debates sobre o fim da era do petróleo: a agricultura terá capacidade de suprir matérias-primas para todas essas finalidades se forem mantidos os atuais padrões de “desenvolvimento”?
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Só mesmo Lula para afirmar, com base no nada, a inexistência da evidente tendência ao aumento no preço dos alimentos em decorrência do crescimento da demanda de terras para a produção de biocombustÃÂveis, Ã qual vem se somando a expansão das monoculturas de pinus (que se expande de forma descontrolada sob a alegação farsante de que utilizará “terras degradadas”, quando nada pode degradar mais os solos do que esse tipo de monocultura).
Recentemente, até o ex-ministro da agricultura de Lula, Roberto Rodrigues, que se notabilizou pela defesa inteligente dos interesses dos grandes produtores, do agribusiness, chamou a atenção para a necessidade de um planejamento estratégico para a produção de biocombustÃÂveis. Ou seja, esse planejamento não existe.
Nos últimos dias , Abram Szajman, presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, foi mais contundente num artigo intitulado “Etanol – Problema ou Solução?” no qual afirmou ser “estranho o silêncio do governo brasileiro a respeito de um assunto que exige posições claras e definidas”. O autor foi ainda mais contundente ao afirmar que a abertura do mercado norte-americano para o etanol brasileiro pode levar o paÃÂs “ao progresso, Ã riqueza, ao conforto social (…) ou a mais atraso e miséria, fome e crescimento da injustiça social”.
“O paÃÂs corre o risco de voltar, ironicamente, (…) ao engenho de açúcar, Ã monocultura, Ã ‘maldição do petróleo’, que faz de seus grandes produtores paÃÂses pobres, ditatoriais, dependentes contumazes da importação de todo tipo de bens e serviços.”
Será que a elite brasileira está, enfim, “acordando”, ou são essas apenas algumas vozes isoladas que estão ousando falar o óbvio, cuidadosamente afastado do anêmico discurso polÃÂtico e da apatia em relação à formulação de polÃÂticas públicas?