Há poucos dias, o jornal Valor Econômico publicou editorial chamando a atenção para o fato de que o governo pretende iniciar em outubro o processo de licitação para a concessão das hidrelétricas do rio Madeira sem que sem esclarecer o percentual a ser destinado à s “compensações ambientais”. Na verdade, o editorial se refere a um tipo especÃfico das muitas formas de “compensação ambiental” que hoje abundam nos processos de licenciamento, termos de ajuste de conduta, termos de compromisso e outros: o apoio (obrigatório) a ser dado pelos empresários e investidores à s unidades de conservação.
“O custo começou com 0,5% do valor da obra, mas o governo resolveu estabelecer uma metodologia para chegar-se a uma taxa até agora ignorada. O Ministério de Minas e Energia defende 1%, o Ministério de Meio Ambiente quer 3%, e o presidente Lula teria arbitrado o percentual em 2%”- afirma o editorial. Arbitrou com a “metodologia” de evitar bagunçar ainda mais o coreto das brigas intestinas em seu ministério sempre capenga.
A variação entre o mÃnimo estabelecido pela lei e o pretendido pelo Ministério do Meio Ambiente – segundo o jornal – é grande: entre R$ 75 milhões e R$ 450 milhões! Esses montantes podem e devem ser incluÃdos na carga tributária brasileira que já é a mais alta do mundo, e certamente se refletirão nos preços da eletricidade, ou seja, no bolso dos consumidores. Afinal, a lei cria um imposto velado estabelecendo um mÃnimo mas não um máximo!
Se a arbitragem de noço guia for aplicada aos investimentos no pólo petroquÃmico de Itaboraà e à s duas siderúrgicas projetadas para o Rio de Janeiro, esse “apoio à s unidades de conservação” poderá facilmente chegar aos R$ 400 milhóes, ou cerca 25% do que já foi investido (foi?) no Programa de Despoluição da BaÃa de Guanabara sem que o esgoto tenha sido tratado – apesar das estações de tratamento terem sido solenemente inauguradas – por falta de redes e troncos coletores. Tampouco foram iniciadas as auditorias ou criada a “comissão de acompanhamento das obras” que eram bandeiras de campanha eleitoral.
A criação de comissões com representantes da sociedade civil – nos últimos anos denominadas ONGs no afã de copiar o vocabulário gringo – não é uma solução. Para melhor entender essa linha de raciocÃnio vale lembrar de duas expressões demasiadamente comuns à época dos movimentos estudantis, sindicais e outros de reação ao regime militar: cooptação e aparelhamento.
Cooptação era a palavra que designava uma forma de conseguir o apoio de um indivÃduo de outro grupo por métodos não muito legÃtimos ou decentes, tais como a oferta de cargos, viagens e similares. Aparelhamento era a indicação de membros de um grupo polÃtico para as chapas que concorriam para a direção das associações estudantis, sindicatos e outros, de maneira a transformar essas “ONGs” em porta-vozes do ideário – por mais transitório ou “oportunista” que fosse – dos grupos polÃticos. Oportunista era outra palavra comum e referia-se a pessoas ou atitudes que aproveitavam qualquer oportunidade para fazer valer as suas propostas e para assenhorar-se de cargos.
Essas práticas não desapareceram. Ao contrário, pode-se dizer que foram institucionalidas. E não é difÃcil cooptar a grande maioria das ONGs com alguns assentos em conselhos e contratos para a prestação de serviços variados, da pesquisa à “educação ambiental”. Em lugar de gestão participativa, o que se tem é promiscuidade entre o poder público e entidades civis dos mais variados tipos. A única forma de fazer com que a aplicação desses recursos seja transparente não é criar uma nova comissão, mas divulgar claramente onde estão sendo aplicados ou incluÃ-los numa alÃnea especÃfica do sistema de acompanhamento de desembolso do orçamento público disponÃvel na internet em tempo real. Sem isso, corre-se o risco ou cria-se a certeza de voltar à s práticas que deram notoriedade adicional ao casal Garotinho-Rosinha durante a última campanha eleitoral.
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Nove dos 24 diretores executivos do Banco Mundial assinaram um carta de protesto contra a manipulação de informações contidas num relatório sobre práticas de gestão ambiental. A acusação é contra o novo presidente da instituição, indicado pela Casa Branca, e referem-se ao que o Banco resolveu denominar “responsabilidade na prestação de contas”. A Casa Branca não tem sido exatamente um exemplo de responsabilidade na prestação de contas, em particular nas despesas de empresas contratadas para obras no Iraque sob ocupação. O Banco Mundial tampouco é um exemplo desse tipo de responsabilidade, e nunca reporta ao Conselho de Diretores nada que possa indicar que muitos de seus projetos naufragam e são simplesmente abandonados, sem prejuÃzo dos pagamentos das dÃvidas dos paÃses “beneficiários”.
<p>Uma das vantagem de sermos mais velhos é não aprendemos nos livros algumas passagens da nossa história, e sim vivendo-as. E podemos vê-las se repetindo. O “aparelhamento” e “cooptação” são técnicas antigas aplicadas tanto em regimes de direita como de esquerda. Com o “advento” das ONGs, a brincadeira voltou a moda, sofisticou-se, mas recentemente o aparelhamento tornou-se descarado na área ambiental com a criação das chamadas compensações ambientais, uma canhestra derivação do princÃpio do “poluidor-pagado”. No governo (com minúscula mesmo) federal e do estado (com minúscula mesmo) do Rio de Janeiro, a coisa se transformou em “balcão de negócios” para festa de Ongs de amigos. Como um dos exemplos, a educação ambiental, uma coisa que em princÃpio é séria, virou um escoadouro de dinheiro público e/ou o captado pelas tais “medidas compensatórias”. Qualquer profissional com uma raquÃtica formação acadêmica numa dessas faculdades tipo franquias do Mac Donald´s sabe que é muito difÃcil medir o desempenho de tais projetos que ainda carecem de métodos formais de acompanhamento para a consecução dos seus objetivos. O resultado é uma enxovalhada de proposições dÃspares e lunáticas que não resistem a uma auditoria de fim-de-semana.
O disfarce moderno da “cooptação” e do “aparelhamento” aplicado pelas esferas governamentais citadas está nas comissões formadas por membros da “sociedade civil” para o julgamento das propostas e destinação doos recursos. Invariavelmente compostas por ONGs amigas daqueles nomeados por razões polÃticas, sempre com a pretensão de especialistas.
O resultado é que nunca vem ao grande publico – e atualmente nem mesmo ao público interno das instituições – quais os critérios e resultados das escolhas das “medidas compensatórias”. Seria até fácil, se houvesse realmente alguma intenção de objetivadade, efetividade e transparência. Bastante tornar pública as atas das reuniões em que foram tomadas as decisões sobre a alocação do vultosos recursos financeiros incluindo respostas a seis pergunta básicas: por quê, para que, onde, como, com quem e quanto.
Talvez aà as tais ONG´s tivessem que tirar as máscaras e deixar de lado o papel que vêm desempenhando há anos: ser governo na hora de captar o recurso e ser iniciativa privada na hora de gastá-lo. Em termos práticos “pegar uma grana” na “aba” do Governo , gastar como quiser – incluindo algum “jabaculê” para os tais dirigentes e polÃticos, e não dar satisfação a ninguém, incluindo os Tribunais de Contas e o Ministério Público. Um exercÃcio interessante seria a divulgação das respostas à s seis “perguntinhas” do que se tem para gastar nos próximos anos no estado (em minúscula mesmo) do Rio de Janeiro em função da implantação da CSA – Companhia Siderúrgica do Atlântico nas cercanias de Itaguaà e do COMPERJ – Complexo PetroquÃmico do estado do Rio de Janeiro em Itaboraà e adjacências. Com a palavra a sociedade.