Recentemente, Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura do governo Lula, escreveu um artigo que em enfatizou a necessidade de se definirem polÃticas estratégicas para a área de biocombustÃveis no Brasil. Não deu qualquer satisfação sobre as razões pelas quais tais polÃticas não foram definidas durante os seus 4 anos de gestão.
Além disso, o ex-ministro, notoriamente ligado aos agro-negócios, argumentou que não haveria necessidade de deflorestamento para o plantio de monoculturas de oleaginosas já que o Brasil tem vastas áreas de pastagens que podem ser utilizadas desde que haja alguma “modernização” da pecuária brasileira.
Esse tipo de argumento sugere a leitura de um livro recente que descreve com riqueza de informações a “modernidade” da produção de milho e de gado dos EUA, onde quase não é concebÃvel que bovinos possam se alimentar em pastagens. Lá, o gado é confinado e se alimenta de milho altamente subsidiado, hormônios para que o crescimento seja rápido e os animais possam ser abatidos antes de terem os seus fÃgados “explodidos” por uma alimentação que não é natural, e antibióticos para prevenir das doenças decorrentes das condições sanitárias e das próprias doenças advindas do tipo de alimentação.
A resenha da primeira parte desse livro, intitulado O Dilema do OnÃvoro (The Omnivorous Dilemma), a seguir, ilustra bastante bem o tipo de “modernização” a que se refere o ex-ministro.
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O Dilema do OnÃvoro â A Insensatez do Agro-Negócio
Nos EUA, são necessárias duas calorias de fertilizantes sintetizados a partir do petróleo para produzir uma caloria de milho. E como o gado bovino é alimentado com milho, quase um barril de petróleo é consumido para cada animal abatido. Os excedentes da produção de milho estão na origem tanto da abundância quanto da obesidade. Os subsÃdios governamentais são altÃssimos, o alimento industrializado tem preços baixos, mas dão origem aos altÃssimos Ãndices de obesidade que custam algo em torno de 90 bilhões de dólares por ano em despesas médicas. Ou esses excedentes atravessam a fronteira do México, onde liquidam com os pequenos produtores.
Toda uma complexa cadeia de interesses gira em torno da produção de milho, impedindo que cessem os subsÃdios. A insensatez do agro-negócio é objeto de um fascinante livro intitulado O Dilema do OnÃvoro, que faz sucesso crescente à medida que os leitores descobrem a importância de saberem como se estrutura a indústria dos alimentos que chegam diariamente à s suas mesas. Ainda não publicado no Brasil, o livro de Michael Pollan certamente é um importante alerta para um Brasil que pretendem transformar numa âArábia Saudita dos biocombustÃveisâ.
O livro começa pela descrição da gigantesca monocultura de milho no estado de Iowa, e volta até a origem da alta produtividade, com raÃzes na produção de sementes hÃbridas na década de 30, permitindo a mecanização da lavoura e dando inÃcio a um processo que rapidamente transformará os agricultores em reféns – mais do que em beneficiários – da agroindústria. São todos devedores das Monsanto, dos fabricantes de fertilizantes e pesticidas, da Cargill e ADM que atual como intermediários, e dos bancos.
Como surgiu esse sistema tão perverso e pervertido?
Ao final da segunda guerra mundial, quando os Estados Unidos detinham imensos estoques de nitrato de amônia para a fabricação de explosivos, a solução encontrada foi o uso intensivo de fertilizantes. Também a indústria de pesticidas se estrutura com base nos estoques de produtos quÃmicos destinados à fabricação de gases venenosos para uso militar. Os excedentes da produção de milho precisam encontrar mercados, e logo começam a ser utilizado na alimentação de animais, mesmo dos ruminantes, cujo sistema digestivo não é adaptado ao consumo de cereais.
Seguindo em busca da cadeia produtiva da agroindústria, Pollock viaja até Garden City, no estado de Kansas, e descreve a criação de gado bovino confinado, alimentado com milho, antibióticos e outros medicamentos, suplementos alimentares e estrogênio, gordura liquefeita e uréia sintetizada a partir do gás natural. Trinta e sete mil cabeças numa instalação que na linguagem da agroindústria norte-americana é conhecida como Operação Concentrada de Alimentação Animal (CAFO â Concentrated Animal Feeding Operation).
âEssa instalação se parece como uma cidade pré-moderna, sem espaço, imunda e mal-cheirosa, com o esgoto a céu aberto, ruas sem pavimentação e o ar tornado visÃvel pela poeira. (…) A concentração de animais em meio à fala de higiene sempre foi uma receita para doenças. A única razão pela qual não ocorrem epidemias como nas cidades humanas medievais é o uso intensivo de antibióticos. (…) Essa alimentação da à carne a textura e o sabor que os consumidores norte-americanos passaram a gostar. No entanto, essa carne é menos saudável para nós, já que contem teor mais elevado de gorduras saturadas e menos ômega-3 do que as carnes do bovino alimentado no pasto. (…) Na medida em que se avança na compreensão desse sistema de produção, torna-se inevitável questionar se o que parece racional não é também uma loucura totalâ.
Depois, o autor disseca o processamento dos alimentos consumidos nos EUA. Pode-se dizer que o cereal matinal é o protótipo desse modelo: a indústria transforma 4 centavos de dólar de milho comprado como âcommodityâ em 4 dólares de alimentos processados, com novas formas e sabores, vendidos em embalagens que atraem o olhar do consumidor, tudo com o apoio de grandes campanhas publicitárias. Para cada caloria de alimento assim processado são necessárias 10 calorias de combustÃvel fóssil.
âNa General Mills eu ouvi, pela primeira vez, a expressão âsistema alimentarâ. Essa expressão é mais atrativa e indicadora da alta tecnologia to que a palavra comida. E evita as conotações negativas de sua antecessora, âalimento processado industrialmenteâ. Os especialistas do setor falam, também, em âproteÃna vegetal texturizadaâ e em ânutracêuticosâ.â
DaÃ, o caminho até o McDonaldâs é denso de truques apoiados em estudos de mercado e na âciência da alimentaçãoâ. Foi o esforço para aumentar a receita de cadeias de cinema que, depois de muitas experiências, levou à criação dos imensos sacos de pipoca e copos de soda que hoje estão presentes em todos os locais dos EUA, tendo as crianças como alvo principal. Três em cada cinco norte-americanos têm o peso mais elevado do que o recomendável, um em cada cinco é obeso, e cada criança nascida depois de 2000 tem 33% de possibilidades de desenvolver diabetes.
âAtualmente, 19% das refeições norte-americanas são feitas em automóveis. Refeições compradas sem que a porta do veÃculo precise ser aberta, comidas sem que o carro tenha que parar, com o uso de uma só mão. De fato, essa é a genialidade dos ânuggetsâ de frango: poder consumir sem o uso de prato ou garfo. Não há dúvidas de que os pesquisadores do McDonaldâs estão neste momento trabalhando para que se possa fazer o mesmo com uma simples salada.â
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O livro de Pollock segue por caminhos fascinantes e a sua leitura nos faz perguntar se é isso que queremos como “estratégia” para a produção brasileira de biodiesel e para a “modernização” de nossa agricultura, com a Petrobras fazedno leilões de compra de imensas quantidades de óleo vegetal e fazendo com que os pequenos agricultores se tornem reféns das esmagadoras. Enquanto a estratégia não é definida pelo governo, os investidores estrangeiros compram terras e fazem o que bem entendem. Além de ainda virarem sócios formais da Petrobras na produção de óleos vegetais para exportação e para uso como biocombustÃvel.
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THE OMNIVOROUS DILEMMA â A Natural History of Four Meals, de Sidney Pollan, The Penguin Press, New York, 2006.
Olá Luiz. Adorei esse blog. “Conscientizar é preciso!” Acho que essa é a ordem do dia, quando se pensa no Planeta Terra.