Tendo que conviver diariamente com um Rio de Janeiro abandonado, os cariocas partiram para a saudável reação que se assemelha à desobediência civil. A a cada dia cresce o número daqueles que solicitam o depósito judicial do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU. Bela iniciativa! Pagarão da mesma forma que o poder público paga os seus credores: depois de anos de tramitação judicial dos processos, criando algo como precatórios da cidadania. Outros, como o autor deste blog, optou simplesmente por adiar o pagamento até o último dia do ano, o que dará ao próximo prefeito a chance de uma auditoria, já que os bancos retêm o dinheiro público por alguns dias.
O movimento surgiu da constatação cotidiana de que a cidade está completamente esburacada, mal iluminada, mal sinalizada, tendo se transformado numa grande gambiarra urbanística. Hospitais e escolas públicas não se encontram em situação muito diferente. As únicas coisas que funcionam de maneira notável são os pardais e uma guarda-municipal treinada para multar desabridamente, sem qualquer esforço para orientar o trânsito ou os motoristas.
Agora, nos últimos dias, a imprensa escrita finalmente despertou para desavergonhado desperdício de dinheiro público em grandes obras tão suntuosas quanto desnecessárias, para não dizer indecentes. Em especial, a tal “Cidade da Música Roberto Marinho” foi denunciada pelo próprio jornal O Globo. Uma obra inicialmente estimada em cerca de R$ 80 milhões deve ter custo final superior a R$ 480 milhões. Se fosse executivo de uma empresa privada, Cesar Maia – que no passado chegou a ser considerado competente administrador financeiro – já estaria no olho da rua há muito tempo.
O que não foi dito, ainda, é que a escolha do local para implantar a tal “Cidade da Música” é totalmente inapropriado. Situa-se na confluência de duas das avenidas de maior densidade de tráfego da cidade: América e Ayrton Senna. O local pode ser vista na imagem abaixo do Google Earth.
Na metade dessa área – denominada “Cebolão” pelos cariocas – já funciona um terminal de ônibus e um posto de vistoria do Detran. Como fazer o contorno, ainda que em parte, é imprescindível para acessar a Linha Amarela ou a praia, atualmente os engarrafamentos já são gigantescos nos horários de pico. Esses horários de pico também ocoorem nos fins de semana, em dias de sol, durante o acesso e a saída da praia.
No complexo espertamente denominado Cidade da Música, funcionará, também, um número indeterminado de lojas, talvez cinemas. Ou seja, um shopping center disfarçado. Isso, a poucos metros do Barra Shopping, o maior da cidade, e de sua extensão, o New York, onde já funcionam 18 cinemas. Um pouco mais adiante, situa-se o Via Parque (felizmente em português mesmo), onde além de lojas e cinemas há uma casa de espetáculos – em geral musicais – com 8.500 lugares. Bela escolha de localização para uma pirâmide: a localização mais visível, ainda que mais inconveniente.
Com essa façanha, Cesar Maia esculhambará ainda mais o Rio de Janeiro. O tráfego que se torna mais sobrecarregado a cada dia ficará pior. E o investimento em cultura que poderia ser orientado por um bairro necessitado de uma modernização, de maior dinamismo econômico, termina numa das áreas mais ricas da cidade.
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Afirma-se, agora, que o estudo de viabilidade econômica da “Pirâmide Cesar Maia” só foi contratado depois de iniciada a obra. O estudo indicou a necessidade de aporte de recursos públicos para a sua manutenção. Esse estudo pode ter sido orientado nesse sentido! Afinal, ninguém pode saber exatamente quais serão as despesas e receitas, que dependem do tipo de espetáculo musical e dos muitos patrocínios. Mas como a gestão da pirâmide será feita pela iniciativa privada, nada como assegurar, desde já, um trocado a mais para os vencedores da licitação, que mamarão nas tetas do dinheiro público por décadas. O Ministério Público, que segundo notícias da imprensa já investiga o super-faturamento na obra, faria melhor ainda se cuidar, também, de uma revisão cuidadosa do edital de licitação para a gestão da pirâmide de concreto.