As empresas de navegação dos países nórdicos e canadenses estão felizes com as mudanças climáticas: já duplicaram, na úlltima década, e ampliam-se rapidamente as condições de trânsito dos grandes cargueiros por rotas do Ártico que até recentemente permaneciam fechadas pelo gelo durante a maior parte do ano. Até mesmo o trâfego de carga de Nova York a Yokohama (Japão) poderá ser feito por distâncias significativamente menores: de 25.000 km através do Canal de Suez ou 18.500 km pelo Canal do Panamá para 15.000 km pelas “novas” rotas do Ártico. “O uso comercial dessas rotas é questão de tempo” – comemoram os executivos dessas empresas, ainda que as condições de segurança ideais possam requerer mais 5 anos de derretimento da calota do Polo Norte.
“Com reservas petrolíferas que já foram estimadas pelo Kremlim em 586 bilhões de barris – algo em torno de 100 vezes maior do que o potencial do mega-campo brasileiro de Tupi -, o mar de Barents, entre a Noruega e a Rússia, poderá em breve se transformar em um novo eldorado energético e já afeta as estratégias de defesa desses países” – informa o jornalista Daniel Rittner, de Estocolomo, em publiação do Valor Econômico de 19 de maio de 2008. A Noruega já encomendou 48 novos caças militares para proteger essas rotas.
Para os “verdes”, que não gostam de Real Politik ambiental, vale dizer que nos dias 27 e 28 de maio, reuniram-se, na capital da Groenlândia, Illulissat, representantes da Rússia, Canadá, EUA, Dinamarca e Noruega para discutir o controle das reservas petrolíferas e minerais que se abrem rapidamente à exploração comercial em decorrência do degelo. “Cientistas norte-americanos estimam que na região encontram-se 25% das reservas mundiais de petróleo e gás natural”.
A Groenlândia é um “estado” autônomo da Noruega. Nos termos dos tratados internacionais em vigor, cada país tem direitos exclusivos sobre a exploração dos recursos naturais numa faixa de 200 milhas. Mas qualquer país pode ir além desses limites se provar que a sua plataforma continental é mais extensa.
Esses países pretendem abocanhar o maior pedaço possível dessa áreas alegando tratar-se de um prolongamento de suas plataformas continentais. Na prática, as possibilidades maiores são da Rússia, do Canadá e da Dinamarca, mas os EUA não se contiveram e enviaram a tediosa Condoleezza Rice à reunião.
Lutam para queimar mais petróleo, principal causa das mudanças climáticas, e falam em proteger a Amazônia e a biodiversidade. Maior cinismo é impossível. Sobretudo quando a Noruega anuncia que será a primeira doadora do Fundo Brasil Amazônia para a proteção das florestas. Doará talvez o equivalente ao preço dos caças militares comprados para proteger os seus interesses nas jazidas de petróleo agora acessíveis em decorrência do degelo no Ártico.
***
A Anistia Internacional divulgou relatório falando sobre terras indígenas e silenciando sobre o genocídio cometido pelos norte-americanos no Iraque, bem como sobre a decisão dos EUA de expandir as prisões abusivas do tipo Guantánamo para outros países. Dose adicional de cinismo no tabuleiro das relaçôes internacionais.
O cinismo, o individualismo e o egocentrismo, tem gerado um modismo burro que pode acabar com o nosso lugar comum. Com a devida licença poética e que Drummond me perdoe, seria um neo-imbecilismo mundial?
O que me impressiona , nas ditas relações internacionais, é a cara de pau dos atores.