O ministro de meio ambiente, Carlos Minc, tem pela frente uma tarefa muitas vezes mais difícil do que conceder a licença ambiental de Angra III, uma banalidade que recebeu excessiva atenção da imprensa pelo avanço que representou em relação à lerdeza mental anterior. Banalidade porque em muitos países licenças ambientais de usinas nucleares foram e continuam sendo concedidas sem tanto alarde.
Essa tarefa é a regularização fundiária das unidades de conservação que, pela lei, devem ser de propriedade do estado. Entre elas, as estações ecológicas e parques nacionais.
No passado, as unidades de conservação eram criadas e depois se iniciava a discussão sobre as desapropriações, que se estendiam e ainda se estendem por falta de agilidade ou desinteresse (ou por interesse) da máquina pública. E os tais gestores das unidades de conservação ficavam tentando “dar um cansaço” nos proprietários que aos poucos se retraiam e abandonavam as suas terras, ou tinham condições de pagar bons advogados.
Assim, a falta de regularização da situação fundiária das unidades de conservação é mais a norma do que a excessão. Mesmo no caso dos parques mais antigos, o governo frequentemente não tem a documentação que comprove a propriedade da terra. Trata-se de um posseiro a mais, e ainda assim sem os requisitos que caracterizam a posse, isto é, sem a presença física no local.
Com a Constituição de 1988 e a lei que regulamenta o sistema nacional de unidades de conservação as coisas deveriam ter mudado. A criação de novos parques nacionais – ou a ampliação dos parques existentes – deveria ter passado a ser precedida ou ser imediatamente sucedida de justa indenização. Não sendo assim, o cidadão brasileiro dorme na legalidade e acorda na ilegalidade.
Os procedimentos para que os proprietários ou posseiros apresentem a documentação necessária para comprovar a sua situação fundiária não são complicados e podem ser feitos através de editais.
Mas que nada. Dane-se a Constituição e a lei. O poder executivo – e não apenas o federal – continua com o péssimo hábito de criar unidades de conservação que, depois, não têm a sua situação fundiária regularizada.
Essa talvez seja a principal razão pelo fracasso dos leilões das 3.500 cabeças de gado apreendidas na Estação Ecológica Terra do Meio, no Pará. Esse gado era mesmo ilegal? A União criou a Reserva e legalizou a sua propriedade sobre as mesmas? Ou havia, na área, proprietários e posseiros?
Num artigo publicado na página de notícias do Instituto Sócio-Ambiental (muito ligado ao ex-secretário-geral do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco), mais de um ano depois da criação dessa unidades de conservação, lê-se o seguinte:
“Afinal, a Estação Ecológica da Terra do Meio, com 3,3 milhões de hectares, e o Parque Nacional da Serra do Pardo, com 445 mil hectares, não saíram do papel mais de um ano e meio depois de sua decretação. As primeiras etapas para a implantação das duas unidades de conservação federais – a demarcação de seus perímetros, o levantamento fundiário das posses existentes em seu interior e o mapeamento dos pontos críticos de desmatamento – ainda não foram realizadas. Apenas algumas poucas placas indicativas foram instaladas no Parque Nacional.
O artigo está em www.socioambiental.org/nsa/nsa/nsa/detalhe?id=2331.
O autor do texto escreveu “levantamento fundiário das posses” num sentido genérico ou simplesmente desconsiderando a possibilidade da existência de propriedades nessa imensa área que totaliza 3,745 milhões de hectares.
Grilagem de um lado e grilagem do outro? O Estado agindo ilegalmente? Nenhuma previsão orçamentária para efetivamente adquirir ou desapropriar as terras onde são criados os parques, as estações ecológicas, as reservas?
Numa recente conversa com um jovem, brilhante e muito ativo Promotor de Justiça que atua na área de meio ambiente, ouvi o seguinte desabafo:
– E aí, o que fazer quando no capítulo sobre a ordem econômica da Constituição lê-se que a propriedade privada deve ser respeitada e no capítulo sobre o meio ambiente a função social da propriedade é definida de forma tão vaga que permite uma colisão entre esses dois princípios constitucionais?
Há, sim, o que fazer. Mandados de segurança preventivos ainda na fase de consulta pública pedindo a anulação do ato, com base nos princípios constitucionais e na própria lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação -SNUC são apenas um dos bons camnhos na via judicial e à correta previsão orçamentária para fins de desapropriação dessas áreas. Ainda assim, os cadáveres dos parques criados no passado continuarão a se mover nos armários da burocracia e se constitue num sério desafio para a gestão ambiental no Brasil.
Agora, é torcer para que a equipe do ministro consiga colocar-lhe nas mãos um planejamento consistente para resolver não apenas a questão da nomeação de gestores para as unidades de conservação mas, também, a regularização fundiária e a presença física do poder público – e do público – nas mesmas.
Sem isso, tudo será como antes, o sistema continuará operando aos trancos e barrancos, e o futuro será igual ao passado.
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As estatísticas sobre o número de visitantes aos parques brasileiros já são péssimas. Se considerado o tempo em que os visitantes permanceram dentro dos parques – o que nunca foi feito -, essas estatísticas vão para o vinagre. Entrar, pagar ingresso, estacionar nas proximidades de um centro de visitação onde podem ser encontrados alguns papeluchos sobre o parque, esperar as crianças brincarem por uma hora, e sair, é algo bem diferente de hospedar-se ou acampar por alguns dias, ou mesmo de passar um dia inteiro numa visita, caminhando por trilhas bem feitas ou passeando de bicicleta.
Maravilhoso texto.
É impressionante como nossos parques e reservas são apenas “enfeites”, longe de terem aproveitados o seu pontencial turístico/cultura – ecológico/ambiental.
Acho que quando investidores descobrirem que pode ser um bom negócio, não a simples visitação, mas sim, a permanência no parque, talvez haja uma mudança de atitude em relação a essas áreas verdes.
Quanto a mim, adoraria passar um final de semana inteiro ou maisdentro de um parque trilhando caminhos no meio de uma floresta, tomando banhos em cachoeiras ou açudes.