Faltando menos de 70 dias para a conferência sobre mudanças climáticas em Copenhague, o Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas acaba de disponibilizar minuta de documento extremamente vaga e confusa sobre a convenção a ser adotada. O documento abunda em alternativas de metas, de redação de parágrafos e tudo o mais. Nitidamente escrito por burocratas e diplomatas, é um exemplar do usual “chiclete com banana†desse tipo de papelório, e uma indicação séria de que não haverá acordo global efetivo nesse campo. Ou seja, as mudanças climáticas continuarão, e com efeitos exponenciais.
No entanto, há um ponto de extrema importância no documento. Numa demonstração de que acredita que essas mudanças são irreversÃveis, as medidas de “mitigação†(expressão bem Banco Mundial) e as medidas de adaptação são colocadas no mesmo plano, isto é, têm igual importância. Já é alguma coisa. Os paÃses mais sérios já estão formulando e implementando polÃticas de adaptação há algum tempo. No Brasil, até agora, NA-DA, apesar dos alertas do INPE.
Além de vago, o documento chega a ser engraçado, até mesmo em relação a coisas elementares, como os nÃveis de dióxido de carbono que se pretende definir como aceitáveis. Façam suas apostas: (a) 400 PPM (partes por milhão), (b) 450 ou menos, (c) não mais de 450, 450, (d) pelo menos 450 – são as opções de redação contidas nessa minuta. Ou seja, depois de tantos encontros, reuniões, tapetões e badalações, essa turma só tem uma idéia muito vaga do que pode ser consensual.
Vale dizer que apenas entre 2004 e 2008 as concentrações médias de CO2 na atmosfera passaram de 376 PPM para 385 PPM, com um crescimento de 2,8% só no último ano, segundo a Divisão de Monitoramento Global da Agência para os Oceanos e Espaço do governo norte-americano. Segundo os pesquisadores, são esses os maiores nÃveis de concentração de CO2 na atmosfera terrestre nos últimos 650 mil anos e, talvez, nos últimos 20 milhões de anos.
Evidencia-se, assim, o naufrágio total – ou quase total – do Protocolo de Kyoto com as suas idéias esdrúxulas oriundas do Banco Mundial de que os “incentivos de mercado†resolveriam o problema. Considerada uma taxa média de crescimento das concentrações desses gases na faixa de 2,5% ao ano, inferior à quela ocorrida em 2008, ano de recessão mundial, chegaremos aos tais nÃveis de 450 PPM, considerado crÃtico, em torno de 2020. É altamente improvável que até lá seja possÃvel reverter essa tendência.
Voltando ao texto do documento agora divulgado, na opção 2 para o mesmo parágrafo antes citado sobre a redução ou estabilização dos nÃveis de concentração de CO2 a serem estabelecidas, encontra-se outra série de “alternativas” de metas muito divertidas pela discrepância:
“Com esse propósito, as partes devem reduzir os nÃveis de emissão de gases causadores de efeito estufa em pelo menos [50], [81-71], [mais que 85], [pelo menos 95] por cento e relação aos nÃveis de 1990 até 2050â€.
Como será tomada a decisão? No sorteio? Na porrinha? Nos dados? Ou no carteado polÃtico, para que alguma declaração saia da conferência e a enganação continue?
Para quem quer se divertir com ao menos uma passada de olhos, o documento pode ser encontrado em inglês, espanhol, frances, russo, chinês e árabe em
http://unfccc.int/documentation/documents/advanced_search/items/3594.php?rec=j&priref=600005444#beg
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Isso tudo em nada reduz a seriedade e as qualificações profissionais dos cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, mas apenas mostra o quanto é improvável um acordo em meio a tantos diplomatas, burocratas e polÃticos.
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Enquanto isso, no Brasil, os especialistas do Ministério da Ciência e Tecnologia desentende-se com o Ministério do Meio Ambiente sobre o tal de “inventário de fontesâ€. O primeiro acusa o segundo de querer levar para Copenhague um documento inconsistente e que não mostra que a matriz energética brasileira – antes celebrada como limpa – vem se tornando muito mais suja, reduzindo o peso relativo do desmatamento na Amazônia. E isso, antes do tal do pré-sal!
Eu também tenho esta impressão, que este encontro tem muita chance de resultar em nada!
Basta observar que a palavra “cost” é escrita muito mais vezes do que “population”, e tendo as cifras como o problema principal, a tendência é para que as coisas não se resolvam.
Mas enfim, eu acredito em Deus e na esperança, que é a última que morre. Milagres, aconteçam! E vamos torcer! :'(