A imprensa brasileira embarca em qualquer release distribuído por grandes anunciantes, sem pestanejar, por preguiça, insuficiência ou incompetência de equipes de jornalismo, distração ou outra razão. Isso permite à Petrobras “plantar” (é o jargão das redações) notícias sobre avanços na qualidade do diesel que ocorrem com imensos atrasos.
A notícia “plantada” em O Globo afirma que “novo combustível, se usado em veículos com motores modernos, reduz emissões de enxofre em 80%”.
“O próximo dia 1º será um marco para a melhoria da qualidade do ar que se respira no Brasil. No primeiro dia do ano, a Petrobras passará a oferecer um óleo diesel menos poluente, com 50 partículas de enxofre por milhão (ppm), o S-50. Com isso, o Brasil se junta a EUA e diversos países da Europa, além de Chile e Colômbia, que já utilizam o combustível. E, a partir de 2013, a redução das emissões vai aumentar ainda mais, já que a estatal vai passar a oferecer o diesel 10, que substituirá o S-50. Em 2014, o mercado terá apenas dois tipos de diesel: o S-500 no interior (para motores mais antigos) e o S-10 nas regiões metropolitanas.”
A primeira coisa a ser destacada é que a Petrobras conseguiu atrasar em três anos um prazo estabelecido em 2002 pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, depois de muito tempo de negociação. Fez isso através de um Termo de Ajuste de Conduta – TAC inadmissível se não fosse uma estatal e se não detivesse – na prática – o monopólio do refino de petróleo no Brasil. A tolerância das autoridades ambientais e do MP com a Petrobras seria impensável em se tratando de qualquer grande empresa privada, para não falar de uma petroleira estrangeira.
O argumento da Petrobras para o TAC foi que a indústria brasileira ainda não fabricava motores capazes de transformar em realidade os benefícios do “novo” (no Brasil) diesel. De fato, ocorreu o oposto: a indústria brasileira atrasou a fabricação de motores mais modernos – e mais eficientes – pelo fato do país não dispor de um combustível cujas especificações fossem compatíveis com o seu desempenho. O diesel sujo danifica os motores fabricados para um diesel de menor teor de enxofre, e isso aconteceu muito com veículos importados.
Os autores do release também ocultam que a distribuição do combustível só para as regiões metropolitanas coloca em risco a vida útil e o desempenho dos motores de caminhões e outros veículos que não se limitam a trafegar nessas áreas. Fora delas, eles serão abastecidos com diesel de teor de enxofre mais elevado, exceto se saírem buscando postos específicos. De fato, sabendo disso, a Petrobras Distribuidora tem… “uma ideia”:
“O presidente da Petrobras Distribuidora, José de Lima Neto, garantiu que, no mínimo, 900 postos com a bandeira da empresa oferecerão o S-50 a partir de janeiro. A ideia é que os motoristas não precisem rodar mais de 400 quilômetros para encontrar o combustível.”
Por último, mas não menos importante, a Petrobras sonega uma informação de interesse da nação: o Brasil é importador de enxofre, amplamente utilizado na indústria de fertilizantes (formação de ácido sulfúrico e daí até o ácido fosfórico – cerca de 80% do consumo nacional). E o enxofre retirado do petróleo há muito encontra o seu destino produtivo no Brasil, o que pode ser uma forma de remunerar os investimentos e de melhorar a balança comercial do Brasil.
Noves fora a publicação do grande avanço no dia do Natal, a notícia deveria ser: “com grande atraso, Petrobras faz o dever de casa”. Interesses ocultos, desleixo, ou incompetência mesmo? Ah – essa tendência a confundir interesses de estatais com interesse nacional e com interesses do partido político da vez!
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A notícia publicada por O Globo sob o título Chega aos postos deisel menos poluente mostra claramente o quanto é fácil empurrar uma versão conveniente de uma verdade qualquer na grande imprensa.
Um bom estudo sobre a produção, a importação e o consumo de enxofre no Brasil foi produzido com din-din do Banco Mundial para a preparação do “Plano duodecenal (2010 – 2030) de geologia, mineração e transformação mineral” do Ministério de Minas e Energia e o corrrespondente relatório técnico contem interessantes informações para os que se interessarem pelo assunto. Em particular porque a Petrobras não disse, ainda, qual será a destinação do enxofre adicional que produzirá.
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O resultado da mudança será, sem sombra de dúvida, altamente positivo, inclusive em termos de custos sociais da poluição. A origem da necessidade de diesel mais limpo foi o desenvolvimento de motores mais modernos e eficientes. Coisa da boa engenharia, e não de ONGs ou de ambientalistas.
Não vai, aqui, nenhuma crítica à excelência da Petrobras na área da produção (leia-se, extração). Mas essa é a regra das multinacionais do petróleo. Na área ambiental é que a coisa muda de figura.
Apoiado. Mas faltou falar também no corpo mole cúmplice do cartel das montadoras de veículos e da ANP, além da Petrobras, para fazer cumprir o coronograma original do PROCOMVE. Muita gente morreu e ainda vai morrer por causa disso.
Publiquei no Facebook.
Verdades inconvenientes e sempre acobertadas. Dá para imaginar uma Chevron na esculhambação ambiental da Petrobras?