A iniciativa privada deve “assumir riscos” investindo em unidades de conservação? Essa é a uma das afirmações genéricas, generalistas, contidas em artigo publicado recentemente e assinado por dois ministros do governo federal: o de Meio Ambiente e o de Turismo. O artigo recebeu o título – bem humorado, irônico ou simplesmente infeliz – de O Brasil tem de ir para o mato. “Mato”, no caso, são as unidades de conservação brasileiras, em particular os parques nacionais. Como reagiriam os assim chamados “ambientalistas” se a senadora Katia Abreu se referisse assim – “mato” às florestas amazônicas e aos vários ecossistemas que a lei brasileira resolveu definir como “Mata Atlântica”? Para Izabella Teixeira e Gastão Vieira, esse “mato” é uma “galinha dos ovos de ouro” com potencial de geração de R$ 1,6 bilhão por ano. Pelo jeito, ambos só querem a coluna da receita!
O artigo é infeliz quando estende-se na atribuição de responsabilidades à iniciativa privada e afirma que “poucas empresas brasileiras têm capacidade para operar serviços em unidades de conservação ou para disputar concessões públicas para a operação de parques”. Os autores prosseguem na sua omissão de responsabilidades quando afirmam, na sequência, que “o setor privado precisa de coragem para desbravar novos territórios econômicos e assumir riscos numa empreitada dessa monta”. Mas, quando e onde, afinal, foram lançadas os últimos editais de concorrência para concessões públicas de instalações no interior de parques nacionais (excetuado o caso excepcional do pequeno percentual do Parque Nacional de Foz de Iguaçu em que se encontram instalações e atividades concedidos à iniciativa privada)?
Só ao final do longo – e vazio – texto, os autores afirmam que “ao Estado cabe sinalizar quais são as regras e qual é a orientação política para dar segurança aos investidores”. Ah – bom! Então, nem isso ainda foi feito? E quanto aos investimentos do Estado em coisas básicas, como a construção e manutenção de vias de acesso no interior dos parques? Nada?
A comparação é feita com o número de visitantes de Great Smoky Mountains, parque mencionado como “o campeão de visitas dos EUA, com 9 milhões de usuários” (o grifo é nosso). Nenhuma referência ao fato de que esse é um dos poucos parques norte-americanos no qual não existem instalações de hospedagem excetuados os campings, alguns dos quais acessíveis por carros, além de pontos de venda de alimentos e bebidas. Além disso, cerca de 430 km de estradas, a maioria pavimentada, e o restante usualmente em bom estado de manutenção.
Esse é um aspecto dos “riscos” para a iniciativa privada mais obstinadamente “esquecidos” – ou sonegados – quando se fala de investimentos privados em parques nacionais: quem fará os investimentos em infraestrutura de acesso? Sim, porque afinal, se o Estado não assumir tais investimentos, ficaremos na era de pequenos e ocasionais serviços para arborismo, além das usuais trilhas só utilizáveis por jovens com a resistência física para levar as suas mochilas com víveres. Ah – faltou dizer que no Great Smoking é possível, também, caminhar pelas trilhas sem a escolta de um guarda-parque chato falando sem cessar, pescar e passear de bicicleta ou a cavalo.
Na verdade, a grande omissão é do poder público – federal e estadual – que não consegue promover sequer a regularização fundiária das áreas dentro dos parques e, portanto, não chega a ter a autorização judicial para a posse das mesmas. Da mesma forma, onde os levantamentos topográficos planialtimétricos que permitam a definição das estradas de acesso ou das trilhas, dos campings, e das pousadas para as várias idades, quando essa for uma boa opção de visitação, estadia e até mesmo de vigilância para os parques. Sem dúvida, é mais fácil caçar num parque quase totalmente abandonado pelo poder público do que em outro, onde a presença de visitantes inibiria essas atividades.
Então, aos fatos: exceto se o Estado pretende omitir-se e entregar a área total de um parque para administração privada, sem qualquer planejamento ou informações do relevo e, sobretudo, onde será possível fazer o que, as chances são grandes de que pouco ou nada seja feito. Se, ao contrário, quiser assumir as suas responsabilidades, deverá ter um planejamento da ocupação do parque e a indicação claras de em que áreas poderá ser feito, que tipo de instalação e de atividade, bem como a definição dos investimentos para atração dos visitantes (ou “usuários”). Além da regularização fundiária, é claro. Só então o investidor privado – excetudo aquele que brinca com o dinheiro do BNDES – começará a conversar seriamente sobre o tema.
É hora do Estado “ir para o mato” e assumir suas responsabilidades! O compromisso público de transformar parques em atrativos turísticos até a Copa de 2014 – que não foi cumprido – não se cumprirá. É preciso fazer o dever de casa para que alguma coisa de palpável aconteça. Pensar numa renda potencial “só com visitação”, sem qualquer previsão de investimentos públicos imprescindíveis, é apenas um exercício de numerologia.
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Foruns de debate sobre o potencial econômico das unidades de conservação brasileira vêm sendo promovidos desde meados de 2001. A versão final do estudo sobre a qual a ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) resolveu escrever agora, ao final de 2013, com a participação de um obscuro ministro Gastão Vieira (Turismo). A versão final do estudo patrocinado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA também foi tornada pública em 2011 e o download de sua versão integral pode ser feito aqui. Notícias requentadas, sem iniciativas concretas, não mudarão o cenário de abandono dos parques nacionais e estaduais, de inacessibilidade dos visitantes, ou de geração de renda no “mato”.