As concessionárias de energia elétrica argumentam contra os incentivos à energia solar distribuída e a ANEEL finge que faz um trabalho sério ao convocar audiências públicas num país onde não existem organizações de consumidores com estrutura para entrar no debate. O assunto foi objeto de reportagem da Folha de São Paulo, sem a qual apenas um punhado de iniciados saberia da trama.
A alegação das concessionárias é a mesma que já ocorreu em países sérios e que vou destrinchada até o último fio de cabelo: há que remunerar as redes de distribuição, e a geração distribuída prevê incentivos aos usuários de sistemas fotovoltaicos nesse modelo.
De fato, esse é um argumento, ainda que não aplicável de maneira geral ao Brasil inteiro, país no qual a excessiva centralização de poderes no plano federal gera distorções. São muitas concessionárias, em alguns estados há mais do que uma em operação, e é difícil dizer que redes ou trechos de redes já estão amortizadas em cada área de concessão.
Além disso, as concessionárias ocultam que a geração distribuída frequentemente resulta em economias exatamente na implantação ou no reforço dessas redes, algo que nos países sérios é conhecido como custo evitado, conceito aqui muito pouco difundido e nada transparente nos sistemas contábeis, em particular de quem cafetina um “área de concessão”, isto é, clientes cativos.
Assim, num dos muitos exemplos possíveis dos custos evitados pelas concessionárias com a geração distribuída – e de fácil compreensão – encontra-se não haver necessidade de reforço da rede – incluindo os transformadores – em áreas em que a geração está sendo feita pelos próprios consumidores cativos.
A ANEEL não tem estrutura para fazer esse tipo de cálculo – até porque as concessionárias tampouco têm bases de dados sobre as variações e tendências da demanda por sub-áreas, entre outras coisas porque seus sistemas não são digitalizados. Nos melhores casos, os transformadores simplesmente desarmam quando há um pico de demanda não previsto.
Na verdade, salvo poucas e honrosas exceções que funcionaram mais como estudos de caso, as concessionárias nunca investiram, como prevê a lei, em eficiência energética pelo lado da demanda, e a ANEEL tolerou, silenciou diante do uso desses recursos para a redução de perdas técnicas e comerciais que seriam feitos de qualquer forma. Mas esse é outro assunto.
O que se propõe, então, desde já, é que a ANEEL, no mesmo pacote, além de exigir um trabalho de detalhamento dos custos evitados antes mencionados, simplesmente rompa com o e permita que qualquer gerador venda o seu excedente para qualquer consumidor, usando apenas as redes de distribuição que são o pretexto para a retirada de boa parte dos subsídios dados às energias renováveis.
Supondo que alguém disponha de área – telhados mais amplos ou terrenos – para gerar mais do que consome, por que razões esse eletricidade tem que ser entregue a concessionária e não pode ser vendida a outro consumidor mediante o pagamento do uso do trecho da linha de distribuição?
Numa análise estratégica, a geração distribuída é essencial para a segurança energética e as concessionárias devem começar a mudar radicalmente o seu conceito de negócios. Os velhos conceitos – de monopólio dentro da “área de concessão” – estão se tornando a cada dia mais obsoletos e contraprodutivos.
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Que tal adiar esse tema nas audiências públicas e substituí-lo pela eficiência na gestão de redes de distribuição?