-- Download Parques de papel com concessões feitas à meia boca as PDF --
Numa jogada de marketing ambiental, o governo federal e alguns governos estaduais vêm promovendo a concessão de parques à iniciativa privada, ainda quando o poder público tenha fração desprezÃvel das áreas dessas unidades de conservação e não haja qualquer previsão de metas para ampliar a infraestrutura de visitação.
Os números recentemente obtidos com base na Lei de Acesso à Informação – já que o ICMBio não gosta de divulgá-los – indicam a existência de parques nacionais criados há décadas com 0% de regularização fundiária, como é o caso do Parque Nacional da Serra da Capivara desde 1979. Sá muitos os que têm percentuais de regularização irrisórios! Como o poder público concede algo que não lhe pertence e jamais abre qualquer janela de diálogo formal com os legÃtimos proprietários?
Trata-se, aqui, de continuar debatendo conceitos fundamentais para que os parques cumpram com uma de suas principais funções: a visitação e o convÃvio com a natureza. A situação se repete nos estados.
Por haver uma documentação de fácil acesso, comecemos pelo edital de concorrência internacional promovida pelo governo de São Paulo para o Parque Estadual da Serra do Mar (cuja a transcrição do link obriga ao formato abaixo).
Nela, o que se concede é uma área Ãnfima do parque designada Caminhos do Mar – cerca de 275 hectares aos quais se acrescem 38 hectares de trilhas - sobre um total de 315.000 hectares, ou 0,09% da área total do Parque que estende-se por 25 municÃpios do estado de São Paulo.
Qual será mesmo o benefÃcio para o turismo na quase totalidade desses municÃpios? Afinal, são 10 núcleos administrativos em decorrência da enorme extensão do parque: Bertioga, Caraguatatuba, Cunha, Curucutu, Itariru, Itutinga Pilões, Padre Dória, Picinguaba, Santa VirgÃnia e São Sebastião.
Na área de concessão encontram-se um acesso, algumas grandes belezas naturais e um restaurante que necessita de reparos. Concedeu-se o trecho denominado “Caminhos do Mar” que pode ser visualizado no Anexo I do edital. E a obrigatoriedade de recuperação de um edificação para que ali funcione um restaurante.
O visitante pagará o ingresso, o estacionamento, mais isso e aquilo, e só poderá encontrar alguma tranquilidade no passeio com grupos de tamanho não definido e com um guia falando pelos cotovelos. Nenhum previsão de que qualquer parcela dos recursos arrecadados vá para a regularização fundiária de áreas privadas no interior do parque, mantendo a tradição dos órgãos ambientais brasileiros de varrer o problema para baixo do tapete depois de, na prática, imobilizar áreas privadas “na mão grande” (expressão certa vez utilizada por uma alta dirigente de órgãos ambientais).
E que nenhuma empresa ou organização social de pequeno porte ouse tentar classificar-se para participar dessa licitação. Os requisitos mÃnimos encontram-se na página 35 do Edital, na área de qualificações técnicas (esses requisitos sempre são arbitrários, mas foram arbitrados por alguém, não surgiram do nada).
13.25 – Para fins de demonstração da sua QUALIFICAÇÃO TÉCNICA, a LICITANTE individual ou o CONSÓRCIO, deverá comprovar aptidão para o desempenho de atividade pertinente e compatÃvel em caracterÃsticas, quantidades e prazos com o objeto da LICITAÇÃO, por meio da apresentação de atestado(s) de capacidade técnica, em nome da LICITANTE ou de profissional a ela vinculado, devidamente registrado(s) na entidade profissional competente, quando for o caso, emitido(s) por pessoa(s) jurÃdica(s) de direito público ou privado, ou por órgão de regulação e/ou de fiscalização, que comprove a experiência prévia, ao longo de, no mÃnimo, 12 (doze) meses, como responsável pela gestão ou administração de empreendimento turÃstico, comercial ou de lazer, público ou privado, tais como, mas sem se limitar a, Parques TurÃsticos ou Ambientais, Arenas, Estádios, Hotéis, Aeroportos, Rodoviárias e Shoppings, com fluxo anual de pessoas de, no mÃnimo, 18.000 (dezoito mil) pessoas.
13.25.1. Para comprovação do exigido no item 13.25 deste EDITAL, será admitido somatório de atestados, desde que em um dos atestados seja demonstrada participação como responsável pela gestão ou administração de empreendimentos com as caracterÃsticas definidas neste item que tenha comprovação de fluxo anual de pessoas de, no mÃnimo, 9.000 (nove mil).
Dentre outras várias coisas que chamam a atenção, o conservadorismo um tanto anacrônico dos responsáveis pelo Plano de Manejo aprovado em 1977 e que já previa um sem número de parcerias. Nessa apresentação, lê-se:
A terceira zona especial, de uso conflitante/infraestrutura de base, engloba as áreas nas quais estão localizadas rodovias, ferrovias, dutos, linhas de transmissão, estações de captação e tratamento de água, barragens, antenas de rádio, TV e celular. Representa 0,7% de toda a área.
DifÃcil saber por que todas essas coisas conflitam com os usos de um parque em lugar de integrar-se a ele como nos paÃses avançados onde se encontram parques exemplares, tais como EUA, Canadá e Alemanha.
O debate continua aberto, mas duas coisas são certas: (a) é preciso chamar os proprietários para que tenham representação nos conselhos e (b) seria muito bom transformar os conselhos consultivos em conselhos de administração, com poderes decisórios, com a participação de autoridades municipais ligadas ao turismo.
Se os proprietários de áreas no interior dos parques puderem promover pelo menos hospedagem e outros atrativos compatÃveis com os usos de parques, certamente os conflitos, a percepção pública, a própria fiscalização e a dinâmica econômica seriam todos muito melhores, com o aumento da visitação e do convÃvio com a natureza.